Pois é do regresso dos exames que vou falar, não que a palavra regresso esteja bem inserida aqui, porque exames sempre houve e haverá, que a palavra é património da humanidade, do social e do individual, porquanto os exames, seja de que tipo for e com que configuração, são avaliações formais e estas suportam conteúdos de vida. Sem examinar não se pode apreciar e tudo o que mais decorre deste princípio lógico. Eu eduquei-me com exames, o da quarta, depois o correspondente hoje ao segundo ciclo, depois o correspondente hoje ao terceiro ciclo, depois o correspondente hoje ao secundário e depois os da faculdade e por aí. Após o 25 de Abril, entrou em força nas escolas a ideia de avaliação contínua, não para se distinguir daquela que já se fazia e que determinava ou não que se fosse a exames, mas para se afirmar com uma nova modalidade de ser, a de ser tudo e toda a avaliação, ou seja, a de substituir os exames formais. Esta defesa da avaliação contínua foi progressivamente tomando ares de família e foi sendo encarada com naturalidade, para uns escamoteando sabiamente todas as suas fragilidades, para outros parecendo que podia sustentar práticas de conhecimento, de mérito e de reconhecimento social. Toda a problemática da avaliação contínua não se poderá dissociar das ideologias sociais de bem estar, das teorias da democratização, dos valores do igualitarismo, etc., etc., coisas que então eram contrapostas às ideologias da diferenciação, às teorias da elitização, aos valores do individualismo, etc., etc., ou seja, a teoria e a prática da avaliação contínua sem exames finais impôs-se e fez um caminho. Não sou daqueles que defendeu ou venha a defender a inutilidade dos exames, mas também não sou daqueles que vai agora dizer que não houve seriedade de qualificação no tempo em que os exames estiveram suspensos ou não se praticaram em extensão. Mas estou do lado dos exames, se me faço perceber, não só nas disciplinas de português e de matemática, mas em todas as áreas escolares. Os exames dão consistência às aprendizagens e sobretudo aos métodos de estudo, calejam o indivíduo em práticas e modelos de cognição que fazem falta pela vida fora. Não desejo que se resvale para aquele tipo de considerações que submete esta discussão a representações dicotómicas entre passado e presente, para não dizer entre esquerda e direita, e que vão dar àquele binarismo consabido de ver tudo entre reaccionarismo e vanguarda, ainda que isso seja uma parte da verdade, mas nem sempre para a tornar sagrada ou incontestável. Eu espero que se produza um sistema legal equilibrado entre as aprendizagens e os métodos de avaliação, quer os da escola, quer os do exterior à escola, consagrando-se o princípio da recuperação em todas as instâncias ao longo do percurso escolar, para não vermos paragens de meses ou de ano entre cada avaliação mal sucedida. A escola é um lugar de trabalho e os exames vão certamente contribuir para a interiorização de mecanismos de autonomia de estudo, valorização do trabalho pessoal, organização metódica do tempo, cuidado com materiais escolares, partilha e colaboracionismo de pares. Virão ao de cima certamente as anedotas históricas do marranço e do copianço, porventura agora alpenduradas em sofisticadas técnicas de som e imagem, como essa dos fosfenos que já luz por aí, mas também se começarão a ouvir histórias de descoberta didáctica, de consolidação teórica e de vantagens práticas. O perigo principal a ultrapassar será esse mesmo o da comiseração pelos coitadinhos que não têm pai nem mãe nem sustento de ninguém, forma metafórica de dizer que o perigo a evitar é o de fazer cair esta discussão em banalidades de circunstância política de prós e contras, numa demagogia de espelhos narcisistas. Porque é de conhecimento e de estudo que estamos a precisar. Uma santa Páscoa a todos, num espírito de ressurreição para o futuro. Obrigado e até à próxima. |